Leonardo Frossard
domingo, 6 de maio de 2012
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Meu quase-mundo
Carece-me nascer de novo tão intensamente como se logo viesse a morrer de novo.
Assim minha alma sobreviveria a morte que eu teria
E não mais condicionaria como sinal de vida um frágil pulsar sem causa exterior.
Permita-me ser a palavra única desta pagina,
O limite entre o passado e o que ainda estar por vir.
Estou em carne viva.
A borboleta grega de asas azuis fugiu de minha carne talhada na argila,
Quando um estrangeiro diabólico persuadiu-me de que o relógio não é vivo e sobrou-me.
Eu, desde menino, fui conduzido aos caminhos da expatriação.
Tudo me é estrangeiro na pátria que anseio minha.
Agora jazo em terra estranha. Fora do mundo. Sem mundo.
A morte tenta esculpir em mim a ferida que exala aura de dor e silêncio.
E mesmo negra a tinta aqui grafada
Em mim escorre escarlate de minha carne cardíaca.
Palavras escapam-me. Coagulam-se. E estancam em mim a hemorragia fecundante de medo.
Logo silabas e células outras me inferem,
Eliminam as letras mortas, as esperanças e sonhos feitos,
Enquanto toda minha economia participa de minha regeneração, ainda que catastrófica.
Minhas mãos já não reconhecem a forma de meu pensamento,
Resta-me palavras que psicografam as amarguras que sustentam meus ossos fracassados.
Sujei-me em conceitos e metafisicas para não me sujar de mundo.
A carne da carne que fui é arrancada de mim por abutres famintos,
E no silêncio das palavras ditas, habito-me.
Sou a palavra que não se ouve, a palavra que se sente.
A palavra que meus olhos cerrados não podem mais ver
Nem meu tato tatear
Somente a milícia glandular das saudades que sinto, faz-me lê-las para dentro.
Perco-me. Sonho. Paro. Penso. Recomeço.
Não sei mais de mim senão que minhas vísceras reclamam por uma questão de sentido.
A questão que agora sou já se foi, crendo incondicionalmente na aurora vindoura do cavalo branco.
E eu ainda continuo sendo, camuflando-me entre o psicopata amoral e o santo.
Meu corpo todo se inclina a escuta.
O silêncio é a profunda noite secreta deste meu mundo. Quase-mundo!
Tenho de adorá-lo sem palavras.
A mesma medida que o faz ser o faz deixar de ser.
Sei que ela vem. Ainda que encarnada noutras histórias.
Mesmo que demore o tempo da minha vida. (Leonardo Frossard)
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Olhaste-me e me deixei seduzir
Ah! se teus olhos não tivessem mirados os meus
Talvez não me adotaria como consciência de si, mas mesmo assim me faria reconhecer por ela e a reconheceria do mesmo modo,
Entretanto sou neste pequeno nada que não sei, mas sou, mesmo sem saber
Sou quem sabe um conhecimento povoado de palavras e maquinas
Imerso em enigmas e ambiguidades, indagando sobre minha identidade, origem e destino.
Restando-me como resíduo que quase não suporta a verdade ultima, mas busca um resquício de real impossível de nomear aqui.
Sobrevivendo como minha lanterna a procura da existência de um outro, quem sabe materno, nesta alucinação de completude cravada no seio de uma primeira alienação.
Prossigo incansavelmente produzindo formulas, teoremas, maquinações, poemas... Enigmas indecifráveis a mover a geografia do universo, entrecortando o fascinante brilho das fantasias de sedução,
Ate que role a pedra que no terceiro dia ainda insiste em me encadear.
E mesmo sem conhecer a Bahia, atrevo-me a escrever sobre os olhos de Monet
Das cataratas que num entardecer de uma vida o fizera ver o mesmo colorido em enxurradas de cores distintas.
Não eram olhos teus olhos ousadamente deslocado da posição inaugural...
Não eram apenas captadores de imagens articulando e jogando com esse arcabouço brilho ofuscante...
Nem um eu narcísico invadido de imensa sede... nem um sedutor morrendo ao pe da fonte impossibilitado de apoderar-se de seu amor.
Apenas um forjador ao ter o que se arrogava: ver sendo visto no meu olhar!
Retribuí adoçando o fel de sua saliva com o melaço da minha
E depois? Depois me perdi...
Preso nesta armadilha nada mais apreendo de mim além daquilo que descubro no reflexo dos teus olhos.
Agora detido circunscrevo a soberania da angustia de um despossuído de si,
Nos relatos de uma febre que queima e desnorteia meu corpo despido de olhares que medem e orientam caminhos que me faltam percorrer, cheios de armadilhas eu sei, mas que por isso mesmo, são tão sedutores. (Leonardo Frossard)
Amanhã
Palavras, sementes e palavras, sentimentos e palavras.
Um segundo tão imenso que chega a ser doído, maltratado pelo chicote, escarnecido pela inexatidão de uma espera tardia.
Eu sempre orgulhoso, eu general, eu faraó de Egito sem Nilo, somente imerso em lágrimas esparsas de segundo em segundo derramados.
Pensei apagar o sol com meu mando
Acender as estrelas da manhã
Iluminar o quarto com as mais incandescentes surpresas.
Pela noite das horas senti, entretanto, a noite das profundezas
A mais insólita das imagens que deixei escapar
Aquela segunda pele, quase de serpente, que deixei na estrada depois do sofrimento.
Não era perfeito, não era estrela de Nilo algum.
Sofria apenas
Transitar entre dois mundos não é fácil quando se é apenas uma ave menor, minúscula.
A centelha de inspiração que a mim vem não me faz escrever aos deuses, poetizar para os deuses, não me permite comprar a alforria libertaria que às minhas asas dariam novo folego.
É noite, é escuro quando o Sol nos é faltoso.
Perdi muito luminárias faltantes,
Batalhei comigo mesmo arranhando minha sombra com espada
Escorre-me sangue na lágrima que ao permiti demandar dos olhos
Permita que eu entre nos teus olhos em fuga para que refúgio seja verdadeiro.
A noite é sombra quando se espera o vindouro, um bocado de luz e uma tanto de clareza.
Os passos ficam mais inseguros, as mãos mais trêmulas, o agir mais covarde.
Penélope tece a mortuária de Ulisses, a noite tece a mortuária do tempo.
E eu somente escuto o balbuciar do vento dançando com as dunas de areia.
Tormenta insuportável:
Premeditei a morte da Noite e com uma estrela grande rasguei seu véu
O dia agora me é a força externa e no findar mais recente das vésperas mais caducas.
A existência que abraço é o amanhã mais suave.
Não existe mais noite, somente o amanhã, somente espera do dia.
Ânsia de reter-me ao seu calor
Espera eloquente de uma discursividade que me vem em socorro
Banha minh’alma, lava minhas feridas de demorada espera.
Balsamo perfumado, descanso merecido.
Pois o dia breve vem, e permanece.
O dia será eterno ate que existe alguém para esperar a sua chegada. (Leonardo Frossard)
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Transplante de quixotescas migalhas
Num movimento alucinante em que meu sangue se confunde com o suor do seu rosto
E a falta de seus olhos me é a anemia de uma vida.
Meu coração grita seu nome e bate tambores invocando sua presença.
Dou-me porque dói ver seus instantes atordoados na tontura do medo.
Torturo-me ao perceber que na transfusão de mim não curo seus sentimentos.
A lágrima insiste em querer dar-se ao chão, mas o narcísico reflexo da desesperança me faz ser a sua lagrima silenciosa.
O segredo, o secreto, o silêncio, o cárcere sagrado que é amar-te no escuro.
Enfrento os moinhos ao pensar que a saliva da minha boca pudesse curar o silencio de seu sofrimento.
Recolho as migalhas do sou com medos dos pombos famintos e as entrego a você em inaudíveis comprimidos de amor.
Deixo o perfume do dia, o pôr-do-sol das tardes claras, as nuvens dos dias frios, os diálogos das noites curtas encherem seu contingente,
Enquanto sou o conteúdo desesperado, o amor dos poetas lúcidos, o arlequim-palhaço que quer somente o seu sorriso.
E se ri, estou contigo; se choras estou contigo e se ampulheta maldita insiste em querer separar-nos te dou minha alma pra levares contigo. (Leonardo Frossard)
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Você sabe ouvir?
Você sabe ouvir?
“Vocês nunca saberão com eu fecho o vermelho e eu nunca saberei como vocês o vêem” (Maurice Merleau-Ponty). Esta sugestão dá-nos a dimensão que engloba o conceitos de falar-silenciar- ouvir. Não se trata de um simples jogo de interesses entre o que fala e o que ouve, mas um problema de relação, relação eu e outro, da diferença do eu e do diferente de mim, onde buscamos: qual o sentido, qual a razão da vinculação eu e outro.
E é na Hermenêutica Filosófica de Paul Ricoeur que encontramos subsídios para destrinchar esta temática. Para se ouvir, que aqui toma uma dimensão maior que simplesmente escutar – mas, ouvir no sentido de perceber, sentir o cheiro, o gosto, o tato, o olhar – faz-nos pensar na questão da fala, ouvir é um verbo transitivo direto que necessita de um objeto direto, quem ouve ouve alguma coisa, e quem fala traz consigo uma pertença, uma pertença de mundo, de razão, uma maneira de ser, de ser atuante, de ser no mundo, pois pertencemos a um mundo, um grupo, uma comunidade, uma ideologia, uma historia particular de conceitos estabelecidos, de costumes, etiquetas, comportamentos. E a fala esta carregada desta maneira de ser no mundo de quem esta falando.
No entanto, entre a fala e o ouvir, existe um distanciamento, que podemos denominar de silêncio. O homem não pode ser simplesmente coincidente com um conteúdo dado e é no silêncio e pelo silêncio que se inicia a escuta. É no silêncio que se criam novos sentidos possíveis, como principio para enfrentamento do intolerável. A quebra do silêncio nasce o preconceito. O sistema capitalista atuante tende a barrar o silêncio, criando as ‘neuroses social’, que faz-nos produzir-consumir, falar-escutar compulsivamente. Reforçando assim os preconceitos raciais, sexuais, religiosos, etiológicos, etc. O silêncio possibilita o discernimento de novas estruturas de valores que podem, solicitam, sugerem e mesmo originam novos critérios de engajamentos ou vínculos. Ouvir é o momento de adquirir uma nova pertença de mundo, uma possibilidade nova de ser, antes de conceituar, reconhecer, não de forma cristalizada em conceitos, mas transformado no motor de base para compreender a relação entre o eu o outro, entre o vermelho que eu vejo e o vermelho que outro vê, nunca serão o mesmo, mas pelo triálogo, falar-silenciar-ouvir, poderemos compreendê-lo. E este triálogo, se torna circular, infinitamente.
As mil e um noite conta-nos a historia de um sultão que se descobrindo traído pela esposa que amava, toma uma terrível decisão, casar-se com as mais belas moças dos seus domínios, mas depois da primeira noite, mandaria decapita-las. Assim o amor se renovaria a cada dia em todo vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sobro de infidelidade que o pudesse apagá-lo. A terrível noticia logo se espelhara pelo palácio de que as jovens estavam desaparecendo logo depois da noite nupcial. Xerazade, uma jovem, portanto desejou casar-se com o sultão mesmo sabendo do triste destino que a esperava. Quando terminado o fogo do amor carnal, restava-se esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, mas ela começa a falar, contar estórias, que penetravam as orelhas virgens do sultão. Que acolhia cada palavra, cada gesto, como que um sopro suave que mantinha a chama do amor sempre acessa. Xerazade sabia que todo amor formado sobre as delicias do corpo tinha vida curta, e ela sobra suavemente, os vazios adormecidos do sultão. E o amor nasce e vive neste sutil fio de conversação, entre a boca e as orelhas, entre o falar e o ouvir.
Conta-se a estória que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a execução, por mil e uma noites. Eternamente.
Leonardo Frossard
quarta-feira, 27 de abril de 2011
O que havia
Havia um fiasco de luz crepitando na escuridão castanha de teus olhos.
Havia uma tanto de dor nos meus olhos que quis rasgá-los com as facas cegas das montagens infantis.
Havia uma falta de luz, um aquário sem peixes solitários e tantos bêbedos mendigando um nada de cor azul.
Havia um céu de estrelas envelhecidas sobre nossa cabeça, tantas cabeças, tão poucas palavras de tão necessárias falas.
Havia de tempo em tempo metamorfoses intimas dum tipo que nossa pátria rara produz.
Veteranos de guerra, principiantes de vida, profetas irônicos talhados de carnavais em suas cascas.
Tantas nós foram as alegrias carregadas de medo, sonhos e saudades das mães.
Tanto orgulho e tanta vergonha dos fracassos d’outras condições
Aquilo tudo nos doía numa excitação surda e vazia de pensamentos.
Mesmo assim cantávamos aproveitando a respiração ofegante e a mancha que fazia-nos cambalear para frente com pés imersos no barro.
E dançávamos sob nossas histórias tão mais velhas que seus poucos anos e tão pesadas quanto as revoluções já cobertas pelas pátinas do tempo.
Nem mesmo um milagre faria de nossas águas escorridas dos olhos lantejoulas p’outros carnavais
Nem do mal estar do dia posterior náuseas de um novo tempo com um pouco menos de dor no peito. (Leonardo Frossard)