quinta-feira, 28 de abril de 2011

Você sabe ouvir?

Você sabe ouvir?

Vocês nunca saberão com eu fecho o vermelho e eu nunca saberei como vocês o vêem” (Maurice Merleau-Ponty). Esta sugestão dá-nos a dimensão que engloba o conceitos de falar-silenciar- ouvir. Não se trata de um simples jogo de interesses entre o que fala e o que ouve, mas um problema de relação, relação eu e outro, da diferença do eu e do diferente de mim, onde buscamos: qual o sentido, qual a razão da vinculação eu e outro.

E é na Hermenêutica Filosófica de Paul Ricoeur que encontramos subsídios para destrinchar esta temática. Para se ouvir, que aqui toma uma dimensão maior que simplesmente escutar – mas, ouvir no sentido de perceber, sentir o cheiro, o gosto, o tato, o olhar – faz-nos pensar na questão da fala, ouvir é um verbo transitivo direto que necessita de um objeto direto, quem ouve ouve alguma coisa, e quem fala traz consigo uma pertença, uma pertença de mundo, de razão, uma maneira de ser, de ser atuante, de ser no mundo, pois pertencemos a um mundo, um grupo, uma comunidade, uma ideologia, uma historia particular de conceitos estabelecidos, de costumes, etiquetas, comportamentos. E a fala esta carregada desta maneira de ser no mundo de quem esta falando.

No entanto, entre a fala e o ouvir, existe um distanciamento, que podemos denominar de silêncio. O homem não pode ser simplesmente coincidente com um conteúdo dado e é no silêncio e pelo silêncio que se inicia a escuta. É no silêncio que se criam novos sentidos possíveis, como principio para enfrentamento do intolerável. A quebra do silêncio nasce o preconceito. O sistema capitalista atuante tende a barrar o silêncio, criando as ‘neuroses social’, que faz-nos produzir-consumir, falar-escutar compulsivamente. Reforçando assim os preconceitos raciais, sexuais, religiosos, etiológicos, etc. O silêncio possibilita o discernimento de novas estruturas de valores que podem, solicitam, sugerem e mesmo originam novos critérios de engajamentos ou vínculos. Ouvir é o momento de adquirir uma nova pertença de mundo, uma possibilidade nova de ser, antes de conceituar, reconhecer, não de forma cristalizada em conceitos, mas transformado no motor de base para compreender a relação entre o eu o outro, entre o vermelho que eu vejo e o vermelho que outro vê, nunca serão o mesmo, mas pelo triálogo, falar-silenciar-ouvir, poderemos compreendê-lo. E este triálogo, se torna circular, infinitamente.

As mil e um noite conta-nos a historia de um sultão que se descobrindo traído pela esposa que amava, toma uma terrível decisão, casar-se com as mais belas moças dos seus domínios, mas depois da primeira noite, mandaria decapita-las. Assim o amor se renovaria a cada dia em todo vigor de fogo impetuoso, sem nenhum sobro de infidelidade que o pudesse apagá-lo. A terrível noticia logo se espelhara pelo palácio de que as jovens estavam desaparecendo logo depois da noite nupcial. Xerazade, uma jovem, portanto desejou casar-se com o sultão mesmo sabendo do triste destino que a esperava. Quando terminado o fogo do amor carnal, restava-se esperar o raiar do dia para que a jovem fosse sacrificada, mas ela começa a falar, contar estórias, que penetravam as orelhas virgens do sultão. Que acolhia cada palavra, cada gesto, como que um sopro suave que mantinha a chama do amor sempre acessa. Xerazade sabia que todo amor formado sobre as delicias do corpo tinha vida curta, e ela sobra suavemente, os vazios adormecidos do sultão. E o amor nasce e vive neste sutil fio de conversação, entre a boca e as orelhas, entre o falar e o ouvir.

Conta-se a estória que o sultão, encantado pelas estórias de Xerazade, foi adiando a execução, por mil e uma noites. Eternamente.

Leonardo Frossard

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