Carece-me nascer de novo tão intensamente como se logo viesse a morrer de novo.
Assim minha alma sobreviveria a morte que eu teria
E não mais condicionaria como sinal de vida um frágil pulsar sem causa exterior.
Permita-me ser a palavra única desta pagina,
O limite entre o passado e o que ainda estar por vir.
Estou em carne viva.
A borboleta grega de asas azuis fugiu de minha carne talhada na argila,
Quando um estrangeiro diabólico persuadiu-me de que o relógio não é vivo e sobrou-me.
Eu, desde menino, fui conduzido aos caminhos da expatriação.
Tudo me é estrangeiro na pátria que anseio minha.
Agora jazo em terra estranha. Fora do mundo. Sem mundo.
A morte tenta esculpir em mim a ferida que exala aura de dor e silêncio.
E mesmo negra a tinta aqui grafada
Em mim escorre escarlate de minha carne cardíaca.
Palavras escapam-me. Coagulam-se. E estancam em mim a hemorragia fecundante de medo.
Logo silabas e células outras me inferem,
Eliminam as letras mortas, as esperanças e sonhos feitos,
Enquanto toda minha economia participa de minha regeneração, ainda que catastrófica.
Minhas mãos já não reconhecem a forma de meu pensamento,
Resta-me palavras que psicografam as amarguras que sustentam meus ossos fracassados.
Sujei-me em conceitos e metafisicas para não me sujar de mundo.
A carne da carne que fui é arrancada de mim por abutres famintos,
E no silêncio das palavras ditas, habito-me.
Sou a palavra que não se ouve, a palavra que se sente.
A palavra que meus olhos cerrados não podem mais ver
Nem meu tato tatear
Somente a milícia glandular das saudades que sinto, faz-me lê-las para dentro.
Perco-me. Sonho. Paro. Penso. Recomeço.
Não sei mais de mim senão que minhas vísceras reclamam por uma questão de sentido.
A questão que agora sou já se foi, crendo incondicionalmente na aurora vindoura do cavalo branco.
E eu ainda continuo sendo, camuflando-me entre o psicopata amoral e o santo.
Meu corpo todo se inclina a escuta.
O silêncio é a profunda noite secreta deste meu mundo. Quase-mundo!
Tenho de adorá-lo sem palavras.
A mesma medida que o faz ser o faz deixar de ser.
Sei que ela vem. Ainda que encarnada noutras histórias.
Mesmo que demore o tempo da minha vida. (Leonardo Frossard)
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