segunda-feira, 4 de abril de 2011

Das necessidades de se olhar no espelho e ser uma boa colcha de retalhos


Tenho sempre um pouco de receio ao uso da palavra apego, pois penso no apego como ancora que faz fixar o navio num mesmo lugar, Fernando Pessoa já havia nos advertido que viver é uma escolha, se escolhido sim, navegar então é preciso ("Navegar é preciso; viver não é preciso"). No entanto a dinâmica do apego pode trazer uma nova roupagem: o comprometimento com seus propósitos, convicções e escolhas. Um assumir-se. É um bom exercício pra os tempos atuais, onde perdemos nossos valores e referências. Ouvimos isso nos versos de Cazuza: “Meus heróis morreram de overdose... Ideologia! Eu quero uma pra viver!“. Tem nos faltado um sentido. E aqui concordo com nossas avós, "Quem obedece nunca erra!", e ouso acrescentar um ‘se’, quem se obedece nunca erra. Para se obedecer é preciso conhecer-se. Num treinamento diário de ritualmente acordar e olhar-se no espelho. Na primeira semana verá somente seu rosto, nas seguintes detalhes que você nunca havia visto em você, mais adiante se verá sem seu rosto, sem sua máscara de apresentação e representação ao mundo. Você verá quem você realmente é! Não é tão simples assim, claro! Tenho feito esse exercício e tem vezes me dói muito ver o que tenho no meu submundo. Nos meus esconderijos. No entanto tenho desapegado dos meus estercos narcisista e me apegado as minhas precariedades e tesouros. Sim! Tenho muitos tesouros escondidos cá dentro. É só garimpar, peneirar as incertezas, os orgulhos e os egoísmos todos e um monte de outras coisas que nos atrapalham também. Vou te confessar uma coisa: comprei um espelho de bolso. Verdade! Não é pra ver se o gel tem segurado meu cabelo não. É pra quando eu me sentir fraco demais, pequeno demais, superior demais, forte demais, eu me colocar no meu lugar. Agora eu compreendo outro ‘apego’, apegar ao que sou, aos meus desejos, aos meus objetivos e sempre também ser uma ‘metamorfose ambulante’, porque o conhecimento é cíclico. Conheço, adquiro novo conhecimento, que aperfeiçoa meu primeiro conhecimento, e mais pra frente adquiro outro conhecimento que aperfeiçoa este segundo... e assim sucessivamente! Outra questão importante e exercício que tenho cobrado de mim, coisas de mãe: diga-me com quem tu andas... os retalhos que se ajuntam ao meu e que forma essa grande colcha que é a vida, a minha vida. Existem pessoas que nos roubam da gente. O outro tem o poder de indicar nossas possibilidades e limites, desde que nos tenhamos consciência das nossas solidões e carências, que são realidades, e das nossas liberdades. Imaginemos uma colcha cujos remendos – construídos pelas pessoas que deixamos entrar em nossas vidas e fazem parte dela – se entrelaçam. Uma colcha que não é lisa, mas de variadas formas e cores, cujos retalhos se misturam numa trama embaralhada, sendo que cada retalho é também uma colcha de tramas. A linha que os mantem unidos são históricos. Um retalho pode ser alterado quando a colcha já vai sendo ampliada. E o todo vai criando formas, como um lenço que rola na areia e vai formando desenhos variados ao sabor do vento. Subjetividade. Muitas vezes também roubamos as pessoas delas mesmas quando queremos que ajam de acordo com nossos princípios. Que retalho tem sido eu para a colcha do outro? Duas realidades dignas de analise: ou vivemos só pra nós ou vivemos só para os outros. Dois erros, pois somos reduzidos um simples retalho (objeto) ou fazemos do outro um retalho. Somos a colcha inteira. Cheia de retalho. E viver de qualquer maneira nos faz considerar-nos qualquer pessoa, incluso na multidão, como mais um numa colcha qualquer. Então cuidado quando estiver entre duas escolhas: cinema ou balada? E você pra agradar responde “tanto faz”, essa mediocridade existencial tem sido a opção mais fácil, por não haver comprometimentos. E violentamente deixamos de ser a gente pra sermos a vontade e o desejo dos outros. Hum, a paixão tem esse dom: “tanto faz desde que esteja ao seu lado!”. O contrario também é ato de violência: quero isso, quero aquilo e não ouço o desejo e as vontades dos outros. A nossa subjetividade pode ser pensado como sendo formada por retalhos, não só de pessoas, mas por materiais de expressões diversas, como: palavras, gestos, pessoas, conhecimentos, escolhas... que se entrelaçam. As costuras são as formas que se produzem e conferem um sentido especifico para o que chamamos desejo, trabalho, arte, religião, ciência. As costuras não são nem interiores nem exteriores, mas instauração provisória de um entre que mistura finitos materiais de expressões em ilimitadas combinações.

Um dia eles invadem nosso jardim, roubam nossa flor e não falamos nada.
Um dia eles invadem nosso quintal, matam nosso cachorro e não falamos nada.
Um dia eles invadem nossa casa, cortam nossa garganta e não podemos falar mais nada

Façamos essa distinção!

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