quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Sobre o dia que decidi viver de mim mesmo

(Ao meu amigo Guilherme Faria)

Psicografar-me de tão escorregadio que me é, escapa-me. Numa piscadela já nem sei se sou, onde sou, onde quero ser e se ainda mesmo quero ser, estas entrelinhas ou mesmo os entrededos donde ele me esquiva é que me faz ser o ar da graça da palavra... Ah! E que ar... Sabe? Estou com saudades... Às vezes bate essa tal saudade na porta da casa da gente e se a gente não abre ela chega a arrombar a porta e entra como aquela carinha de que nada quer, bobo como somos, corremos pra abraça-la, sem saber que enquanto dura o abraço – contado em tempo de alma – dura a dor da faca enferrujada da distancia e mágoa no peito entregue. Até agora tinha a mantido no quintal de casa, mas eu sabia que em breve teria se sair daqui de dentro, e... ela está me abraçando... Mande-a sair,esta me apertando muito! Distraia com uma historiazinha, talvez aquela que há muito tempo não contamos.
A historiazinha que a vida tece em nós e que nós tecemos dele, tecido e tecedura, lembra? A gente sempre contava historias... não demora, ela chega a me sufocar. Distraí-a
Eu sei... Ela é só mais uma palavra, mas me rodeia. Estilhaços destas irromperam-se os lábios, numa velocidade estonteante dou-me por conta que sou quem há tanto tempo não fora, mas reconheço-me, aquele era o meu maior instante. Reconheci os vários acasos que minha vida teceu até vestir-se da roupagem que agora trajo e assim poder exprimir-se em frases incrédulas as ridículas razões que me fazem arcar com a caricatura que improvisaram de mim.
Brinquei com algumas palavras, arquitetei outras, desejei muitas escassas no meu empobrecido dicionário, o tempo passava, amores passavam sobre mim, forjei palavras que possibilitassem criar um mundo, meu ‘quase mundo’, feito de palavras, mentiras leais, verdades infiéis e um tanto de fantasmas meus.
Ergui-me como poeta de palavras narcíseas, sem rim, sem métrica, sem porquês, só me fiz. Mas tive meda de me inventar... Medo de me atrever nos versos com rimas, eu sabia que ser poeta me faria rimar dor e amor. Medo de me emaranhar em construções de outros e esquecer-se de mim nas paredes amarelas dos casebres há muito envelhecidos.
Capturei todas essas palavras que me refletiam, limpei-as, aparei-as, preparei-me diante deste caldeirão de minhas narcisianeidades, acrescentei um punhado de vinagre e fel e chamei-as de ‘Migalhas de um ser’, depois as revolvi, agitei-as, bebi-as, sujei-as, triturei-as, ornamentei-as, libertei-as...
Hoje me restou lamber os lábios a fim de sentir ao menos um pouco daquele gosto. Minha garganta secou-se como se tivesse me embebedado de areia e ficou em minha língua, capturado em as aleluias e as agonias de meu ser, somente a mutação de um corpo ressequido em precários textos de coisas que apossaram de lugar da consciência e da existência que até agora tive.
Renunciei minha preferencia pelo hospício ao cárcere público, convencido de que será melhor errar acreditando em tudo, sem fanatismo ou intolerância, a tropeçar nas pedras dos incrédulos menores que minha própria imaginação.
Procurei distinguir-me do que diziam de mim através das vidraças embaçadas por lagrimas e me vi delineado na figura de um velho magro cavalgando com um pobre cavalo esquelético seguido por um gorducho com chapéu estendido dando-te vivas, entretanto, penhorava-me na santidade de uma mancha que flutuava na penumbra do meu mundo ainda não tão puritano.
Resisti às destruições implacáveis do real imediato e alimentei a substantiva idealidade dos contos líricos engrandecidos até a sacralidade, jamais me aspirei pela vida comum, sempre soube que esta me levaria a destroços, sendo símbolo, ficção, fantasia: eu sou um homem vivo, designado a conquistar o mundo para depô-lo aos próprios pés, desafiando todos os perigos que minha épica confiança me capacitara, expandindo meu império sem consentir fronteiras estáticas nos impetuosas muralhas de minhas sublimações ate tornar-me o prisioneiro do contemplado.
Meus olhos tanto afeiçoaram a tais palavras que se prenderam cada vez mais ao prazer, até enraizou-se nele e o que restaram foram fragmentos fonéticos de mim num papel ausente de dor donde sou rei absoluto resistindo a pena de Cervantes cravada na tinta da fuga do herói, em sonhos e lagrimas que marcaram o tempo de uma noite muito longa.
Eu queria ser a minha própria cor, o amem no inicio de uma oração, ser o ponto final no meio de uma frase, uma vírgula separando o sujeito do predicado, seu meu ‘quase mundo’, ser mais que um mundo de quase, ser o criador e a criatura minha, sei o que aqui não posso ser, e ainda chorar, brincar, lutar, perder, ganhar... Ser sendo.
Toda minha carcaça ardia como sal jogado numa outra viva. E de repente um grito mudo no meu ventre faz-me entrar nos afazeres de um parto que perduraria o resto da minha vida. Palavras cantavam ao recém-nascido, reverenciei-me diante delas... Amei-as, juntei-me a elas, acuei-as, abocanhei-as... Amei tanto as palavras... Por mim tão inesperada e tão insaciavelmente esperada, mirei-as ate que de repente, caem...

D
E
S
gasto-me a todo momento
Consumo toda minha derrota em analises
Perco-me em alteridades, certezas e verdades.
Deturpo realidades e animo-me por vontades

Estou amordaçado no despenhadeiro de meu ser

Mas em tudo me deparei com sentido
Quando o duelo fez-se encontro
Quando o encontro teceu-me sonho
E quando neste me atingi.

Estou alforriado explorando a intensidade de meu ser
Carrego comigo a unidade de um ser pateticamente humano
Um coração imanente, encarnado
Transcendo, sendo
Morrendo, nascendo, morrendo...

Sou migalhas arremessadas ao vento.



Ao olhar aquele meu próprio retrato eu via um mistério que meus olhos de menino não compreendiam anestesiava-me naquele cadinho de vinagre de minha insanidade; e do fel, inebriava-me em minha loucura, mas, às vezes olhando percebia com leve apreensão irônica o que aquele rosto sorridente e escurecido me revelava: um silêncio e uma fraqueza maior, o sangue de meu medo.

Nunca havia eu de pensar que escreveria estas historia com as letras mortas que arqueavam seus frontões contra mim. Minto! Seu que estou mentindo ao designar mortas as letras e não a coragem que herdei das batalhas travadas noutras historias e que me fizera o personagem da personalidade que tenho, mas escolhi ir agora ao encontro do silencia que grita dentro de mim e assim violar meu próprio jogo.

Mesmo que o egoísmo e o esterco de meu narcisismo próprio esbarrem numa coisa que arde feito brasa cá dentro de mim, eu quero que você, caro leitor, saiba da existência deste lugar onde ninguém havia tocado, nem ao menos, eu conhecia a existência de poetas no meu mundo cego. Todo meu eu agora é como se fosse dois, todo meu lucro barganhei com palavras que saltavam de minha boca ao teu ouvido, de agora em diante começarei a viver de mim mesmo. (Leonardo Frossard)

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